Os espelhos mais silenciosos da Terra

Com um super sistema de isolamento vibracional, os espelhos do Ligo podem ser considerados os mais "silenciosos" da Terra

Duas cientistas dentro da câmara de vácuo, ao lado de um dos espelhos Ligo Avançado, durante as manutenções. Fonte: Ligo logbook

O Ligo* é um instrumento muito sensível que foi criado para detectar ondas gravitacionais, as famosas deformações no tecido do espaço-tempo que se propagam a velocidade da luz.

Esse é um observatório composto por dois interferômetros. Cada um possui dois braços de 4 km de comprimento, por onde seguem os caminhos do feixe de laser.

Foto: Detectores Ligo em Livingston, no estado da Louisiana (esquerda), e em Hanford, no estado de Washington (direita) - EUA. Cada um possui dois braços perpendiculares de 4 km de comprimento cada, por onde passam feixes de laser. Fonte: Ligo-Caltech.

Nesse tipo de instrumento, um feixe de laser original é separado em dois, que percorrem caminhos distintos, um em cada braço. No final do túnel (do braço), eles são refletidos pelos espelhos, voltam e são recombinados. Veja o vídeo a seguir:



Na recombinação dos feixes acontece o que chamamos de interferência da luz. Daí vem o nome do instrumento: interferômetro.

A régua mais precisa

A criação de interferômetros como o Ligo só foi possível após décadas de desenvolvimento científico e tecnológico. Atualmente, tais instrumentos podem ser considerados dentre as "réguas" mais precisas que temos.

Para se ter uma ideia, o Ligo foi capaz de medir um sinal equivalente a um deslocamento da ordem de mil vezes menor que o diâmetro de um próton! Veja uma representação disso no vídeo:



Esse nível de sensibilidade é necessário porque uma onda gravitacional "típica" que podemos detectar tem uma amplitude da ordem de 10 elevado a -22! Isto é, zero vírgula vinte e um zeros e 1:


Essa pequeníssima amplitude é detectada através de uma pequena variação na distância entre os espelhos do interferômetro. Por ser muito pequena, basicamente qualquer vibração proveniente do solo, principalmente, pode mexer os espelhos e causar um ruído com amplitude relativamente muito grande, o que impede a detecção de muitos sinais de ondas gravitacionais.

Tal ruído vibracional pode ser causado por uma multiplicidade de causas como, por exemplo, terremotos e outros tipos de ondas sísmicas, veículos transitando e pessoas trabalhando nas proximidades do detector, outras atividades humanas ou animais, tempestades, ventos, variações climáticas, etc.

Os espelhos mais silenciosos

Então, é necessário que os espelhos estejam protegidos contra esses ruídos. O ideal é que estejam sujeitos apenas às oscilações causadas pelas ondas gravitacionais.

Eles devem ficar quietinhos, esperando uma onda gravitacional passar!

Para "fornecer" isolamento vibracional aos espelhos, foram criados sistemas que os mantêm suspensos e em vácuo.

Parte do sistema de isolamento vibracional é composta pelas suspensões, que são avançadas combinações de pêndulos, molas, atuadores e sensores.

Um dos espelhos de 40 kg (indicado como "Test mass" na figura), feito de sílica, suspenso por um sistema avançado de pêndulos e molas, do Ligo Avançado. Fonte: Ligo vibration isolation.

Pêndulos e molas são isoladores vibracionais "naturais". Isso porque eles possuem uma frequência de ressonância, e toda a vibração que possuir uma frequência maior que a frequência de ressonância é filtrada ao tentar passar por um pêndulo (ou por uma mola).

No caso do pêndulo, o valor da frequência de ressonância diminui conforme aumentamos o seu comprimento, ou conforme aumentamos o número de estágios pendulares de um sistema pendular (quando um pêndulo - ou estágio - é suspenso a partir da massa do outro).

A participação brasileira

Pensando em investigar uma possível melhora nos sistemas de isolamento destes tipos de detectores, desenvolvemos (eu, junto com o grupo de ondas gravitacionais do Inpe), um sistema múltiplo de pêndulos aninhados (Multi-Nested Pendula) com antimolas geométricas (Geometric Anti-Spring).

Um dos experimentos realizados com o protótipo desse sistema pode ser visto no vídeo a seguir:



Essa foi uma ideia inovadora do grupo brasileiro que está dentro da colaboração científica Ligo (sigla LSC em inglês).

Os resultados do projeto foram publicados na minha Tese de Doutorado, que já está disponível online no link da biblioteca do Inpe.

É muito importante para o nosso país estar participando ativamente de um projeto científico da magnitude do Ligo.

Outras atividades científicas, que também foram desenvolvidas na área, tiveram resultados muito interessantes. Como exemplo, posso citar o trabalho já divulgado na Tese do Márcio.

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*O uso internacional do acrônimo é LIGO (Laser Interferometer Gravitational-wave Observatory), mas estou utilizando Ligo pela preferência em edição e leitura.

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